Mãe é só “UMA”?

Escrito por: Marta Dalla Torre em 20/05/2021

Quando vem  ao mundo, o “infant”, aquele que ainda não fala, que ainda não é, tem sua existência garantida pela indissociável ligação com um Outro Primordial/Mãe, que ao lhe  dar  a luz de um olhar pleno  e  acolhe lo com suas palavras no banho da linguagem, lhe concede a experiência de existir. Transmite assim, a ideia do que ele é, e do que será.

 

      Uma ideia  que é concebida nos tempos das vivências edípicas da mulher, ao equacionar uma solução para sua ferida narcísica, no cálculo que resulta no desejo-de-filho. Desejo este, que lhe permite exercer a função materna nas certezas de “uma mãe boa o suficiente”, que na falta em ter, recobre o “infant” com as pérolas de seu tesouro significante: seus saberes e sentidos. Vivencia, assim, a ilusão de  plenitude de ser “UMA”, sem faltas com seu bebê. Porém esta plenitude é  ilusória, portanto fugaz, pois seu desejo está alhures. E é por assim sê-lo, que esta vivência instaura um tempo mítico e fundador do psiquismo do “infant”, isto quer dizer que, todas as significações posteriores serão possíveis graças a esta marca original.
 
  Assim como versa o poeta:
 
                         “Seu desejo não era desejo corporal .
                          Era desejo de ter ilho,
                          de sentir ,de saber que tinha filho.
                          um só filho que fosse,mas um filho.”
 
      Organizada pela função paterna no seu inconsciente, é nas idas e vindas de seus desejos e insuficiências que insiste, numa tentativa de ser  suficiente, dá ao filho o seu bem maior, a falta, pois ela não é toda.
 
                           “Procurou, procurou pai para seu filho.
                            Ninguém se interessava por ser pai.
                            O filho desejado, concebido
                            longo tempo na mente, e era tão lindo,
                            nasceu do acaso, o pai era o acaso.”
 
      Por mais que  se identifique a imagem e semelhança de seu filho, na tentativa de restaurar sua ferida narcísica, há sempre um resto; resquícios de uma plenitude do que nunca foi, que a lança na busca constante de outras imagens, de outros ter, de outros ser, no desejo de desejo.
 
                            “O acaso nem é pai, isso que importa?
                             O filho, obra materna,
                             é sua criação, de mais ninguém.
                             Mas lhe falta um detalhe,
                             o detalhe do pai.”
 
      É nesta brecha aberta de suas buscas outras, que  o “infant” identificado com as marcas deixadas de fazer sua mãe “UMA”, cria seu mundo próprio e agora fazem  “DOIS”. Marcado pela falta, se faz um “fala ser’‘ no sem fim da falta em ter, condição humana e humanizante.
 
                             “Então ela é mãe e pai de seu garoto,
                              a quem ,por acaso,
                              falta um lobo de orelha,a orelha esquerda” *
                   
 
 

*MATERNIDADE – Carlos Drummond de Andrade,C Corpo:Novos Poemas .10*ed. Rio de janeiro; record, 1984, 21-22